27 de julho de 2011

Doce rotina

De olhos inchados e cara amassada, típicos de uma noite mal dormida, se apronta para o trabalho atrasada como sempre. É bolsa de um lado, paletó sossegado, café quente nas mãos e um pão velho de dias atrás na boca, que a pouco se refrescara após a escovação matinal.
Todo santo dia é assim. Manhã corrida com cara de gente ocupada que não tem tempo de tomar um desjejum decente. Sempre com o carro acelerado, e o batom borrado com o sinal verde. É celular tocando, guarda parando e a rádio local no último volume.
No trabalho a mais eficiente funcionária. Pontual com as tarefas, quieta, de comportamento exemplar, requisitos que a levou por meses seguidos a ser a funcionária do mês. Com um currículo brilhante e de dar inveja. Mas ela tem algo diferente de seus colegas de serviço. Ela não trabalha por dinheiro, mas sim pelo simples prazer de ser presa a uma rotina conturbada e cheia de desafios. É lógico que não é uma filhinha de papai, porque este nem mesmo a conhece. Ela apenas gosta daquilo que faz, sem ligar muito para as contas que fazem pilha por debaixo do carpete da sala.
Na hora do almoço, o mesmo prato feito, no restaurante da esquina. Sem tempo pras verduras e legumes de nomes esquisitos. Come bife, arroz feijão, e pudim de sobremesa. É sempre assim. Paga sempre os exatos R$ 9,50 em toda refeição.
Depois do serviço, acelera mais uma vez o carro, pra não perder o pôr-do-sol no terraço do prédio vizinho. Já é amiga do porteiro que sempre a deixa passar os fins de tarde por lá, admirando e se saciando de toda aquela paisagem urbana.
Banho tomado, já é hora da novela e da enorme tigela de pipoca estouradas a pouco no microondas surrado e antigo de sua mãe. Falta pouco pra ele chegar, cansado de uma rotina não tão diferente. A chave roda na porta da quitinete apertada. Ele chegou. Toma banho e se junta a ela. Os dois terminam juntos de comer os piruás que sobraram na tigela. Escovam os dentes em perfeita sincronia. Vão pra cama. Contemplam-se. Amam-se e dormem. Pra no outro dia tudo novamente acontecer. Os olhos inchados, o carro acelerado, o trabalho satisfeito, o almoço bem feito, o crepúsculo na cidade, o banho que lava a alma, a novela vazia e monótona, e a noite prazerosa de amor.