22 de maio de 2010

A volta


- Para quem é a carta?
Disse-me João, ao me ver debruçada sobre os papeis que estavam na escrivaninha. Disse-lhe que era uma carta direcionada a nossa mãe, que não víamos desde nosso sétimo aniversário. João, meu irmão, ficou raivoso por saber meu destinatário, afinal, nossa mãe nos abandonara a mais de dez anos, em uma rua movimentada, do centro da cidade.
João não gostava nem de ouvir o nome da nossa mãe. Já eu, sentia tanta saudade. E uma enorme vontade de abraça-la, de dizer que, apesar de tudo, ainda a amava.
Era aniversário da nossa mãe, por isso, escrevia uma carta à ela, mesmo não podendo lhe entregar, por não saber seu paradeiro. Na carta, coloquei tudo que estava entalado em minha garganta. Escrevi tudo o que queria dizer àquela mulher,  desde que tomei consciência do ato que ela cometera.
Hoje, mais de um ano depois, ainda não consegui terminar a carta. É nosso aniversário, meu e de meu irmão, afinal somos gêmeos, fazemos dezoito anos. E é hoje o dia da mudança, somos maiores de idade, não podemos mais viver aqui.
Sentirei muita falta dos momentos que passei aqui. Pois o orfanato foi nossa morada, durante todos esses anos. Sabe, aqui não é a melhor de todas as moradas, mas pelo menos aqui, tive um teto pra morar, comida pra me alimentar, e alguns trapos para me vestir.
Ainda não sei porque minha mãe fez aquilo com a gente. Queria poder olhar nos olhos dela. Queria poder ama-la sem denúncias, ódio ou rancor. Queria, pelo menos, por instante, ter uma mãe.
Ontem a noite, me despedi de todos os amigos que fiz aqui no orfanato. Afinal, sairia hoje bem cedo. Mas já se passam das dez e nada de nos despençar. Queria poder ficar aqui. Aqui sim, tive uma família. Mas quero poder ter a minha própria família. Quero ter filhos, quero dar-lhes o cuidado que não recebi.
Agora me encontro terminando a carta que comecei a mais de um ano, sem mais palavras, a termino com um sim. Um sim de te aceito de volta, mamãe. Cuida de mim?
Acabo de receber a notícia, que vieram nos buscar. Meu irmão me ajuda com as malas. De repente, ao sair dos aposentos do orfanato, vejo ao longe uma mulher. Tal mulher que eu amava sem mesmo conseguir identificar. Essa mulher era minha mãe. Trouxeram-nos então um bilhete. Nele estava escrito:
- QUERIDOS FILHOS, DESCULPE-ME POR ABANDONAR VOCÊS, HOJE SIM, POSSO DAR-LHES UMA VIDA DIGNA. ACEITEM MINHAS DESCULPAS. QUERO CUIDAR DE VOCÊS. COM AMOR, MAMÃE.
Corri para seus braços. Não tive outra alternativa. Tudo que sempre quis, estava acontecendo. Mas João, meu irmão, ficou ali, parado, incrédulo. Então, ele desabou a chorar. Seu coração se libertou. Ele já não precisa cuidar de mim, ele então, podia ser mais um filho, que abre os braços para a volta da mãe.